
“…o episódio que retoma a história de Dexter, foi eficiente o bastante para me fazer querer acompanhar os próximos passos dessa nova jornada do conturbado anti-herói construído com singular maestria por Michael C. Hall.”
Foi assim que descrevi, nesse texto, o sentimento de reencontrar Dexter quando a minissérie New Blood estreou em novembro de 2021. Mas, e agora que Dexter: New Blood chegou ao fim, dá para dizer que valeu a pena? Sim e não.
Sim, porque pelo menos dessa vez tivemos um final definitivo pra história do personagem que dá título à série. Um desfecho que pode até ser criticado pela escolha criativa de seus realizadores ou mesmo pelos caminhos que nos levaram a ele. Agora, o que definitivamente não dá pra dizer desse novo final é que ele é covarde, como foi aquele que encerrou o oitavo ano de Dexter lá em 2013.
E não por conta dos muitos atalhos e conveniências usados ao longo dos dez episódios para justificar atitudes e escolhas tanto do protagonista quanto dos coadjuvantes, numa sucessão de decisões que só se sustentavam – fragilmente – porque o roteiro assim mandava.
*** ATENÇÃO! SPOILERS PRA QUEM NÃO VIU DEXTER: NEW BLOOD ***
Escrito por Clyde Phillips, que também foi o showrunner desse revival (e, vale lembrar, comandou a série original até o final da quarta temporada), Sins of the Father, título do décimo e último episódio, amarra a trama desenvolvida ao longo dos anteriores, ao colocar Dexter numa situação até então nova pra ele: encurralado e preso pela polícia depois de ter evidências de suas atividades “alternativas” expostas.
E se Phillips usou a relação conturbada entre Dexter e seu filho Harrison ao longo da temporada para explorar a herança sombria que o último carregava – fruto tanto do abandono quanto da experiência traumática de ter presenciado o assassinato da mãe (tal qual ocorrera com Dexter) -, ele também estabeleceu uma diferença e tanto entre os dois ao apontar que, enquanto o pai alimentava seu passageiro sombrio não porque o código assim o ensinara, mas porque tinha nele a desculpa perfeita para saciar seus desejos, o filho o fazia basicamente pelas muitas frustrações de um passado recente e pela visão distorcida de um mundo que estaria sempre contra ele, obrigando-o a revidar, de forma violenta, pra se defender.
Assim, quando chega à pequena Iron Lake e encontra pessoas que o abraçam sem maiores questionamentos (afinal, ele era o filho de um cidadão então tido como modelo ali), ele vê, inconscientemente, a oportunidade de ser finalmente aceito e de aposentar o escudo das respostas violentas que usava pra justificar ações absolutamente sombrias. Isso, claro, sustenta a base do conflito com Dexter que, ao enxergar no filho um reflexo de si mesmo, acaba por deixá-lo na defensiva ao longo das trôpegas tentativas de conversa, visto que o garoto sempre acabava entendendo qualquer questionamento a seu comportamento como uma nova rejeição do pai.
E é nesse sentido que o roteiro desse revival tropeça ao justificar a aproximação de Harrison com Kurt Caldwell, o grande vilão da vez feito pelo sempre eficiente Clancy Brown, que leva a um confronto que expõe o segredo de Dexter ao mesmo tempo que o aproxima do filho (que aceita facilmente, num primeiro momento, a descoberta de que o pai já matara dezenas de pessoas). Afinal, o interesse do empresário local no garoto só existia como uma peça num jogo de vingança dele contra Dexter/Jim, porque descobriu, meio que magicamente, que o pai de Harrison era o responsável pela morte de seu filho, Matt, como visto na abertura da temporada.
E tudo bem que, vivendo numa cidade pequena, Dexter teria naturalmente mais dificuldade para se misturar na multidão como fazia em Miami e com isso manter seu segredo intacto, mas daí a fazer com que o personagem, até então tão meticuloso, passasse a cometer tantos e seguidos erros, vai uma distância grande. Uma sensação que, inevitavelmente, acabou sabotando a experiência desse revival como um todo também.
Além disso, toda a trama que se desenrola envolvendo a chegada de uma podcaster à cidade desencadeando o próprio interesse de Dexter para descobrir os segredos de Caldwell, soa sempre forçado ou conveniente demais, como se tudo fosse feito apenas para justificar a curiosidade da xerife local – com quem Dexter tinha um relacionamento amoroso, inclusive – na história do mistério do Bay Harbor Butcher de Miami que ela acaba ligando ao passado do namorado na base da intuição.
Agora, se dá para malhar a escolha final de colocar Dexter agindo quase como se fosse um animal feroz acuado e que portanto faria de tudo pra escapar das presas da justiça – incluindo aí matar um inocente que não atendia a qualquer critério do Código – por outro lado vale destacar a coragem que o roteiro de Phillips teve para apontar, na derradeira sequência que coloca Harrison e Dexter num dilema final, que enquanto espectadores e passageiros da perspectiva do protagonista, é difícil admitir que torcíamos pelo psicopata que jamais justificou seus atos como algo que salvava vidas inocentes, mas sim porque era algo que lhe dava prazer.
E se Dexter só entendeu isso ao ser confrontado por Harrison naquela última cena, fica igualmente difícil comprar a ideia de arrependimento e sacrifício (e nisso a imagem dele morto com os braços abertos não foi escolhida à toa) que New Blood tenta vender em seu desfecho que, repito, foi corajoso por não deixar portas abertas pra continuidade da série, mas conveniente e condescendente demais para livrar seu protagonista do peso de ter que arcar com as consequências de seus atos.