OPINIÃO | Com Mahershala Ali, True Detective retorna impressionando

Se tem uma coisa que Nic Pizzolatto, criador de True Detective, sabe fazer bem é criar uma atmosfera que consegue ser tão intrigante quanto envolvente para contar suas histórias. Foi mostrando essa característica, afinal, que ele surgiu quando escreveu episódios de The Killing antes de chamar atenção de fato com a aclamada primeira temporada de True Detective na HBO.

E se é verdade que a experimentação que promoveu no segundo ano da série teve resultados irregulares (embora eu siga dizendo que gosto bastante daquela temporada), por outro lado ela reforçou a ideia de que Pizzolatto é hoje não só um dos grandes entusiastas, mas também um dos melhores autores do estilo neo-noir.

Nesse contexto – depois de um hiato de quase quatro anos -, True Detective retorna à TV com a responsabilidade de provar que o primeiro ano da série não foi um mero “acidente”. E se os dois episódios iniciais servem de parâmetro, há boas indicações que esse terceiro ano da produção tem sim tudo para fazer jus à fama daquele que começou tudo.

Primeiro porque Pizzolatto faz novamente uso de tempos distintos (não dois como na primeira, mas três dessa vez) para montar um quebra-cabeça instigante que conta e amarra a história. E segundo porque tem no protagonista da vez, o detetive Wayne Hayes feito por Mahershala Ali (vencedor do Oscar por Moonlight), um personagem que surge tão carismático quanto o Rust Cohle de Matthew McConaughey.

Há, nos dois primeiros episódios escritos por Pizzolatto, evidências claras de que ele está emulando toda dinâmica e estrutura da primeira temporada da série (a fotografia assinada por Germain McMicking, por exemplo, é bem parecida). Contudo, longe de fazer um simples repeteco do que já vimos, há notáveis elementos novos (como a questão do papel que a memória exerce sobre nossa noção de realidade) suficientemente capazes de conferir identidade própria para esse terceiro ano de True Detective.

Centrada num caso envolvendo o desaparecimento do casal de irmãos Purcell (e que evoca, como bem lembrou o amigo Alexandre Luiz do CineAlerta, o caso West Memphis Three que já rendeu filmes além dos três elogiados documentários da série Paraíso Perdido que estão disponíveis na HBO Go), a trama da temporada nos coloca como passageiros das lembranças que assombram o detetive Wayne Hayes, um veterano da guerra do Vietnã, que em dado momento declara que sua vida se dividia entre antes e depois do caso Purcell.

Num trabalho de composição magnífico, o ator Mahershala Ali constrói três versões distintas do mesmo personagem. Em 1980, Wayne é um detetive que se equilibra entre a serenidade e a obstinação com que lida com seu trabalho. Dez anos depois, porém, já o vemos consumido pela frustração oriunda da resolução torta do caso e finalmente em 2015, quando revisita a história numa entrevista para um programa, ressurge fragilizado pela idade, pela viuvez e pelos aparentes efeitos do Alzheimer.

É nessa fase, aliás, que Mahershala Ali tem sua atuação mais impressionante e minimalista, porque embora a ótima maquiagem ajude-o na composição, é sua maneira de olhar, falar e se movimentar que nos convencem que ele é um senhor de 70 e poucos anos impactado pelas lembranças difusas do caso que foi responsável por promover mudanças marcantes tanto na sua vida profissional quanto na pessoal.

Nesse estudo de personagem, Pizzolatto aborda ainda temas importantes como a já citada importância da memória além de explorar o papel do racismo velado que permeia nossa sociedade desde sempre (num momento específico do segundo episódio, por exemplo, fica claro que a opinião de Wayne sobre os passos que a investigação deveria tomar é ignorada pelos superiores brancos) e dos preconceitos que se manifestam de forma explícita quando o “cidadão de bem” resolve apontar suspeitos da autoria de crimes de natureza hedionda.

Investindo num mistério que vai se ampliando à medida em que conhecemos as circunstâncias, o ambiente e as particularidades que envolvem o caso, essa nova temporada de True Detective é rica também em seus personagens coadjuvantes. Do detetive Roland West (papel de Stephen Dorff), parceiro de Wayne Hayes, passando pelos pais das vítimas (com destaque especial para Scoot McNairy) até a doce professora Amelia (Carmem Ejogo do ótimo Selma: Uma Luta pela Igualdade) com quem Wayne acaba se casando, todos contribuem para criar o recorte de uma história que usa o pano de fundo de um crime para falar muito mais sobre as diferenças que nos aproximam ou nos afastam, sobre vidas frustradas, chances perdidas e… memórias.

Muito bom ter você de volta, True Detective.  

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