

A renovação de contratos de licenciamento pode ser um calcanhar de Aquiles para o modelo de negócios da Netflix num futuro próximo, mas a empresa, além de não parecer disposta a perder o terreno que conquistou até aqui, dá claros sinais de que quer expandir (e muito) sua influência na indústria.
Em matéria do The New York Times, Scott Stuber, executivo chefe da divisão de Cinema criada pela Netflix em 2017, revelou que a gigante do streaming vai passar a produzir e lançar cerca de 55 filmes próprios por ano em sua plataforma. Desses, 20 sairão da área denominada Originais (onde as produções terão orçamentos que variam entre 20 e 200(!) milhões de dólares) enquanto os outros 35 virão da área dedicada aos chamados filmes indies onde cada produção terá um orçamento que poderá chegar até 20 milhões. Contando com animações e documentários feitos por outras divisões menores e produtoras parceiras, o número pode chegar até 90 filmes por ano!
Os números são realmente bem impressionantes. Como base de comparação, os grandes e tradicionais estúdios de Hollywood lançam, em média, cerca de 30 filmes por ano (Buena Vista da Disney, que foi o estúdio que mais faturou em 2018, lançou “apenas” 9 até aqui). A ideia, segundo Stubber, é o de fazer da empresa outro grande estúdio que servirá como opção para realizadores e artistas.
“Estamos tentando construir um novo estúdio que seja atraente para os artistas. E ao fazermos isso, é importante que estejamos abertos à críticas. Quando um grande artista diz, ‘Ei, isso não funciona,’ então é melhor que tentemos consertar. Para alguns dos nossos realizadores, isso significa ter um lançamento nos Cinemas e poder disputar prêmios.”
Considerando a quantidade e a qualidade dos nomes que já estão trabalhando com a Netflix (os próximos meses trarão novos filmes de Martin Scorsese, Steven Soderbergh e Guillermo del Toro, só para citar alguns), os esforços parecem já surtir um efeito bastante atrativo na indústria. Roma, novo e excelente filme do premiado Alfonso Cuarón, por exemplo, teve problemas para encontrar distribuição dentro do modelo dos estúdios tradicionais, mas foi abraçado pela Netflix que garantiu ao filme uma janela de exibição nos Cinemas que pudesse habilitá-lo para indicações a prêmios antes de disponibilizá-lo no catálogo da empresa.
Cuarón, aliás, é um entusiasta do modelo e acredita que a entrada da Netflix no segmento tende a trazer mais diversidade para o Cinema além de fazer com que filmes que talvez tivessem poucas chances de serem vistos no circuito, sejam mais assistidos por uma audiência global. Já o consagrado Steven Spielberg, por sua vez, não vê a Netflix como um estúdio e é mais radical ao classificar tudo que ela produz como televisão e que por isso nada com o selo Netflix deveria sequer poder disputar premiações do Cinema.

Por outro lado, Martin Scorsese – que antes de fechar contrato com a Netflix viu The Irishman, seu novo drama de máfia estrelado por Al Pacino, Robert De Niro e Joe Pesci, quase ser cancelado por conta da resistência da Paramount em função dos altos custos de produção (140 milhões) – entende que as críticas ao modelo de negócios do serviço de streaming são frutos de um cenário de incertezas.
“Alguns podem dizer, ‘Isso é Netflix e streaming não é Cinema de verdade‘. Até certo ponto isso é verdade, claro, e para alguém como eu, vindo do Cinema, parece estranho – Joel e Ethan Coen e Alfonso Cuarón provavelmente diriam o mesmo. Mas [a outra verdade é que] nós todos estamos fazendo filmes do mesmo jeito que faríamos para proporcionar a experiência das telonas, e ainda poderemos lançá-los nos Cinemas. E o mais importante de tudo: a Netflix está realmente permitindo que façamos nossos filmes num ambiente de respeito e amor pelo Cinema e isso significa tudo.”
Eu particularmente sempre vou preferir ter minha primeira experiência com um filme numa sala de Cinema por conta de toda imersão que um ambiente controlado e preparado (com melhor som, tela e projeção) pode proporcionar, mas na era em que vivemos tantas mudanças de hábitos, seria besteira não ver a entrada séria da Netflix na indústria do Cinema como algo positivo. E o motivo é bem simples: vai permitir que mais filmes sejam feitos e que mais pessoas vejam obras que talvez jamais fossem ver no modelo tradicional. E isso meus amigos, tá longe de ser algo ruim, não é mesmo?