
Depois de um acerto (Mulher Maravilha) seguido por um novo tropeço (Liga da Justiça), não deixa de ser curioso que, junto dos primeiros acordes da trilha de Aquaman, a primeira imagem que vejamos no filme seja um logo da Warner estilizado que lembra uma âncora enferrujada e afundada nas profundezas do mar. A imagem, claro, não representa mais do que uma rima visual com a ambientação do filme, mas não deixa de ser uma escolha curiosa para marcar o início de mais uma produção dos super-heróis da DC.
A boa (ou talvez eu deva dizer ótima) notícia aqui? Aquaman é divertidíssimo. E não, ele não é o melhor filme de super-heróis do ano, mas rivaliza muito bem com seus concorrentes no que tange à ação empolgante, visuais impressionantes e um protagonista que convence tanto pelo carisma quanto pela capacidade física exigida do personagem título da obra. E se até então eu ainda tinha uma pontinha de dúvida sobre a escolha de Jason Momoa (o Khal Drogo de Game of Thrones) para ser o rei dos mares da DC no Cinema, esse ceticismo se desfez facilmente logo na primeira (e excelente) sequência de ação que o apresenta dentro de um submarino.
Arthur Curry, a identidade humana do Aquaman que foi tão superficialmente explorada no filme da Liga, (res)surge aqui bem mais interessante e tridimensional que naquele filme. Seus conflitos – gerados em boa parte pela longa ausência da mãe (a rainha Atlanna feita por Nicole Kidman) -, são reais e suas dúvidas (sobre ter ou não capacidade para liderar) plausíveis dentro do contexto que o apresenta como alguém que queria distância do lugar que o remete às suas origens.
E mais: o Aquaman que re-descobrimos aqui, carrega todos os ideais nobres de um herói altruísta e moral, mas que nem por isso pode ser taxado como um mocinho típico. Há um quê de anti-herói clássico nele que se manifesta tanto numa escolha que faz no fim da já mencionada sequência que o introduz quanto na irreverência que marca sua conduta ao longo da trama pontuada por momentos que transformam tensão em piada, como na cena do bar em que é interpelado por um grupo de pescadores.
Subverter expectativas, aliás, parece ser uma especialidade de James Wan (diretor de sucessos do horror como Jogos Mortais e Invocação do Mal). Já experiente depois de comandar o sétimo capítulo da franquia Velozes e Furiosos (que a essa altura ninguém mais questiona também se tratar de super-heróis), Wan deixa claro em Aquaman que sabe muito bem conduzir um filme grande e de escala.
Suas sequências de ação funcionam sempre porque soam organizadas e fogem do básico sem contudo tentar re-inventar a roda. E um belo exemplo disso é o plano sequência que mostra uma perseguição por dentro de casas e telhados num estilo que se não é inovador, transpira adrenalina ao nos remeter à experiências que podemos ter, por exemplo, jogando um game da série Uncharted.
Assim, quando ele formalmente nos introduz Atlântida, o faz – com toda pompa que os milhões gastos com CGI permitem -, deixando que a imponência do lugar nos revele detalhes dali sem que nenhum personagem precise apontar para esse ou aquele elemento. E sim, há momentos bastante didáticos ao longo do filme (como aquele em que o personagem de William Dafoe explica sobre o funcionamento das habilidades dos atlantianos) que poderiam ter sido limados da montagem final, mas que por outro lado também não comprometem ou incomodam a ponto de atrapalhar ou sabotar o ritmo da trama.
Sobre ela, aliás, é inevitável não fazer associação à de outro filme de herói: Thor, da Marvel. E o motivo é simples: no centro que move a trama, está a rixa de dois irmãos. As semelhanças, porém, cessam aqui. Pois se falta ao Orm (feito por Patrick Wilson) o carisma do vilão Loki daquele filme, sobra ao Aquaman o destemor do Thor acrescido, contudo, de um espírito, digamos, bem mais galhofeiro que aquele que o deus do trovão demonstrava em sua primeira aparição solo.
A galhofa, por sinal, é uma dos elementos mais marcantes de Aquaman. De exageros como personagens saltando de um avião sem paraquedas e caindo nas areias do Saara sem qualquer ferimento, passando por momentos como aquele em que vemos uma senhorinha testemunhando uma briga feroz entre Aquaman e o vilão Arraia Negra bem na sala de sua casa sem esboçar qualquer choque, o filme jamais se deixa levar a sério demais, o que, considerando o histórico recente dos filmes sombrios e sisudos da parceria DC/Warner, é ótimo.
Isso, contudo, não implica dizer que o filme é todo uma longa piada. Afinal, o roteiro assinado pelo trio David Leslie, Johnson McGoldrick e Will Beall ainda dedica bons momentos para explorar temas tão caros aos dias de hoje, como por exemplo o do empoderamento feminino (a Mera feita por Amber Heard, por exemplo, não é a princesa a ser salva pelo herói, mas sim a princesa que salva o herói em vários momentos) ou ainda aquele em que uma personagem nos lembra que, apesar das muitas diferenças que nos marcam como povos e nações, dividimos, no fim, o mesmo planeta. Uma mensagem que em tempos de um mundo cada vez mais dividido e desumano soa como um despertar indispensável.
E se tem uma coisa que bons filmes de super-heróis fazem é isso: ser um espelho que nos permita vislumbrar o desejo de sermos o melhor que pudermos ser. Para nós e para os outros.
Qual foi o melhor filme de herói do ano?
Pelo escopo e pelo impacto que provoca foi Vingadores, não tem jeito, mas o legal esse ano, pelo menos na minha opinião, é que não tivemos filmes ruins no gênero. Todos foram bons ou muito bons. Que 2019 repita ou supere isso.